[Crônica] Fluxo
No meio-fio da rua, entre o branco caiado do gelo baiano e o negrume do asfalto, logo se formou um pequeno “rio”, bastou cair dez minutos de chuva constante e suave. Um pequeno corpo d’água que avançava com sua cor amarronzada, indo do lado mais alto da rua ao mais baixo, dando orgulho ao homem debaixo da macieira. Em uma janela gradeada no segundo andar de uma casa, Rogério, um senhor de cabelos da cor de algodão, observava a chuva cair; viu o pequeno córrego se formar, tomar corpo — com todas as corredeiras e quedas d’água que as irregularidades do meio-fio geravam —; viu também uma humilde folha, vinda de sabe-se lá onde, que boiava solitária, tal qual um navio sem tripulação, do qual a água era capitã e navegadora. No início da rua as águas eram tranquilas, agitadas apenas pelo suave salpicar de gotas de chuvas na sua superfície. A folha então vibrava a cada impacto, sem nunca se abalar. “Provavelmente ela agora imagina que isso é o mais difícil que ela vai enfrentar”, ele pensou e...