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O Cavalo de Troia do tempo

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O futuro é glorioso, o passado é uma vergonha e o presente uma prisão. Quem me dera poder deixar todo esse presente tenebroso para trás e passar a viver nos meus planos perfeitos, quando tudo já deu certo e toda a ansiedade já não faz mais sentido. Cruelmente o tempo olha para mim, e conforme corro tentando fugir de suas grades, ele as move de um lado para o outro, de forma a me deixar sempre aprisionado nesse lamaçal que eu chamo de “agora”. Preso na insônia das noites. Na azia pós café. Na ansiedade do momento. Na espera do sim. Na expectativa da risada. Torturas excruciantes a qual meu algoz me expõe e ri enquanto eu danço em busca de uma saída. O amanhã me reserva trabalho, talvez uma ou outra risada magra. O final de semana me reserva talvez um amigo, um abraço, um aconchego; um livro quentinho, um almoço saboroso, conversas e risadas. O ano que vem me aguarda com oportunidades, uma nova vida, uma preparação para a nova década. O primeiro pé no futuro. Ainda assim, cá estou e...

Esconderijo

Após a brincadeira todos se reuniram para conversar. — Onde se esconderam? — Debaixo da cama. — Embaixo da escrivaninha. — Dentro da impressora — diz despretensiosamente o mais novo que tem o olhar perdido. Todos os olhares se voltam ao baixinho. — Eu… vi coisas horríveis…

No canteiro tinha um menino

E meu ônibus deu o prego no meio de uma avenida, e o pior, a alguns quarteirões da minha casa. Não me orgulho de dizer o quanto xinguei o motorista e mandei, junto com uma pequeno multidão enfurecida, ele tirar o ônibus dali, mesmo que tivesse que descer e empurrar o ônibus. Muito plácido ele acendeu um cigarro preso pelos lábios ocultos por um bigode volumoso e afastou todos os impropérios com um gesto da mão, como se não afastasse nada mais que a fumaça do próprio cigarro. Ao perceber que aquela gritaria de uma pequena multidão enfurecida simplesmente não levaria a nada e que aquele ônibus não se moveria mais um metro que fosse, a multidão começou a baixar o volume de suas vozes e conversar entre si, em vez de dirigir suas palavras ao chofer. Aquele papo de "que absurdo" e "o transporte público de fortaleza é uma merda" sob o sol escaldante das duas da tarde não me chamou muita atenção e não vi motivos pra ficar ali. Especialmente com a inexistência de sombras p...

Almoço de final de semana

Posso claramente imaginar, em alguma ou várias granjas mundo afora, centenas de galos e galinhas aos prantos, pulando e agitando as asas. As mais sensíveis emitindo suas preces que corriam o ar, um sensível e tocante "có, có, có" lamurioso. Outras, mais práticas e rebeldes, gritando protestos de "cócócó, cócócó", indignadas com a situação. E não é para menos, eu garanto, pois resolvi sair de minha casa para um passeio ao sábado e, conforme o ônibus no qual eu estava acomodado singrava as ruas do meu bairro, um único cheiro era onipresente. Por todos os lados, em todas as ruas, dezenas de churrasqueiras com sua respiração bulbosa e cinza, exalavam o odor de galinhas sendo assadas e oferecidas aos passantes sob o nome de galeto. Um verdadeiro massacre. Não me surpreenderia se, ao avistar uma das suas querias irmãs arreganhada e tostando sobre um punhado de carvão em brasa, uma daquelas carpideiras das granjas se unisse às rebeldes revolucionárias para declarar uma gue...

Insista, persista

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Sair de casa pela manhã no dia em que passa o caminhão do lixo é sempre um prazer, para não dizer o contrário. É quase certo você se deparar com cenas como uma sacola verde, bem fechada, repleta de tapurus do lado de fora. Realmente o tipo de cena que se deseja às sete horas da manhã logo após o café. Como tudo que é ruim pode piorar, surgiu um filhotinho de vira-lata caramelo, modelo rebaixado, perninhas curtas, focinho comprido e pelo falhado por algum problema de pele. Veio saltitante acompanhando e brincando com uma senhora de bolsinha e óculos de sol que lhe ignorava sem dó, caminhava evitando até olhar para o cachorro e parou no ponto de ônibus. Logo o filhote cansou dela e pareceu pensar o que faria a seguir; até que ergueu o focinho, pareceu farejar o ar e sua atenção tomou outro rumo. O saco de tapurus. Correu na direção dele e começou então um tal de esfrega-esfrega, mordiscado, arrastado; estava claro que o filhote tava se esforçando para rasgar o plástico, mas não ia ter s...

Outro alguém

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Em diversas culturas a inveja é demonizada, como se uma pessoa pudesse roubar tudo de outra pessoa apenas pelo simples desejo. Eu não sei vocês, mas eu já quis ser outra pessoa. Estar na pele de um outro alguém que tem tudo o que eu sempre quis. Penso que em todo momento da minha vida esse alguém existiu e, analisar quem era e como eu imaginava minha vida naquela pele, é um exercício de autoconhecimento que justificava um pouco dessa inveja. Ser um outro alguém. Não é difícil pensar em algum famoso. Fortunas milionárias, corpos sarados e amantes perfeitos; e em algum momento eu sei que chegou a ser, em fases mais gananciosas de mim mesmo. E fases mais aventurescas, tornou-se personagens admiráveis e hoje em dia me surpreendo ao me imaginar na pele de pessoas comuns. Apenas pessoas como eu, com realizações comuns que a mim parecem tão fantásticas como um mortal triplo carpado dado por um homem em uma corda bamba. Assim imagino-me sendo aceito em um estágio, tirando boas notas na facul...

Inteligência? Artificial?

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E a mais nova modinha do mundo da tecnologia, mais uma vez sendo colocada como O   Futuro , são as chamadas IA, ou inteligências artificiais, as quais têm a incríveis e brilhantes funções de: Roubar arte alheia Conversar com solitários Passar informações erradas a respeito de absolutamente qualquer coisa ou assunto Ora, inteligências artificiais... não me façam rir. Rá, rá, rá! Inteligências artificiais estão para a inteligência como o sabor artificial de morango está para um morango. Pode até lembrar, ter o cheiro, se esforçar para ser o mais parecido possível, e em alguns momentos pode até parecer mais gostoso e viciante, mas mesmo assim não existe sequer margem para comparação. Inclusive, mais uma vez nesse blog, como um exercício de humildade, venho me corrigir. Pois acho injustíssima a comparação realizada acima entre o sabor artificial de morango, esse que me acompanhou durante minha vida inteira e pelo qual tenho até certo carinho, e a inteligência artificial. Me sinto incap...