18 de Setembro de 2019; Quarta-Feira
O homem, ao saber que seria submetido à uma cirurgia complicadíssima, sobre a qual dava para sentir a desesperança dos médicos ao falar sobre sua condição, fez uma promessa à Nossa Senhora, sua mãezinha. Se saísse ileso dessa maluquice de cortes, transfusões e bisturis, seria o homem mais caridoso da face da terra, ajudando a todos que pudesse, sem pestanejar e de bom coração.
Aconteceu porém o que ele não contava. Sobreviveu e se viu em dívida com a boa senhora que sorria na igreja a olhá-lo de cima para baixo.
Logo que recebeu alta no hospital, saiu sedento por qualquer coisa que possuísse traços de sal, diferente da maldita comida insossa da casa de saúde que estava deixando. Se visse mais uma canja esbranquiçada e sem sabor na sua frente, seria capaz de ter um treco.
Para sua sorte, sua filha, já sabendo que não poderia ficar para ver o pai ter alta, e sob insistência do próprio genitor, voltou para sua cidade, para a companhia do filho e do marido, deixando com o senhor uma nota de 20 reais, para que ele não saísse de lá de mãos abanando. E não saiu. Saiu com as mãos nos bolsos a acariciar a nota áspera e a pensar em quais daquelas barraquinhas saciaria a sua fome de gordura.
A escolhida da vez foi uma mulher em um carrinho vermelho e amarelo, que mostrava uma face gigantesca a lamber os lábios e fazer um joinha para todos os que iam passando. Sentou-se em um banquinho de plástico ressecado e pediu um salgado misto. Comeu, se deliciou e ainda lambeu os dedos encharcados de óleo usado para a fritura. Pediu ainda outro. O mesmo ritual. Ficou com sede e pediu um copo de suco. Bebeu aquela água avermelhada, parecida com sangue anêmico e coagulado, que levava o nome de suco de goiaba.
Quando satisfez-se, entregou a nota de 20 reais à senhora, que fez uma careta ao tomar o dinheiro em suas mãos. Bom, era melhor que não receber. Então devolveu a ele sete notas de dois reais e uma moeda de um real. O homem então foi subindo a rua todo feliz, com um pouco de dores, mas longe daquele lugar infernal.
Subiu em um ônibus que iria para um terminal. O ônibus, estranhamente vago para aquela hora do dia, saltou pelas ruas de fortaleza, subindo e descendo em lombadas e dando arrancadas e freadas bruscas. Parou em um sinal, o sinal logo abriu e na próxima parada subiu um rapaz de uns 25 anos com uma mochila nas costas.
Começou aos berros a anunciar que estava vendendo amendoins, e em seguida começou a distribuir nas mãos dos poucos passageiros do ônibus. Quando terminou de fazer o seu marketing, passou novamente recolhendo o que tinha distribuído. O homem já estava pronto para dizer que estava sem trocado para comprar o pacotinho de amendoins, quando o jovem solta:
- Vamos lá, pessoal. Me ajudem...
Então a imagem da boa Maria apareceu em sua mente e o alfinetou.
Quando o rapaz passou para lhe tirar o amendoim, ele, ao invés de entregar o amendoim, entregou uma moeda de um real e abriu o pacote. Passou os próximos dez minutos sorrindo consigo mesmo. O rapaz que vendia amendoins desceu na parada seguinte, logo quando terminou de fazer o seu trabalho ali.
Duas paradas depois subiu um menino de uns doze anos que pulou a catraca e começou logo a distribuir pequenos bombons de hortelã para a população do ônibus. Passou o bombom na mão do homem e depois de alguns momentos começou a contar sua triste história e como estava ali com aqueles pequenos bombons para arrecadar dinheiro para comprar o café da manhã da sua irmã de dois anos que estava em casa com a mãe enquanto o pai tinha fugido de casa.
O garoto nem havia terminado de contar a história e o homem jáa estava futucando os bolsos. Tudo o que encontrou foi uma nota de dois reais. Suspirou e entregou ao garoto, cujo o rosto se iluminou. O homem abriu o bombonzinho e o comeu. O menino sentou umas duas cadeiras à sua frente todo contente olhando para a rua.
Duas paradas à frente subiu um senhor, um pouco mais velho que o homem que estava voltando do hospital, e começou a contar sobre uma cirurgia que havia feito e que o impossibilitava de trabalhar, e como agora estava passando fome e precisava de ajuda.
Já com os nervos dançando na sua cabeça, ele simplesmente entregou todo o dinheiro trocado que tinha para o homem, com todas as notas azuis se amassando nas mãos magras e enrugadas do senhor, que sorriu para ele com a boca sem dentes. O senhor murmurou um obrigado, guardou o dinheiro e saiu recolhendo o restante das ajudas. Enquanto isso o homem escorou a cabeça na janela e bufou duas vezes.
Ainda subiram mais duas pessoas pedindo ajuda no ônibus, e ele teve o prazer de dizer que não podia ajudar.
- Tenho...
Recebeu uma nota de vinte reais e logo saiu saltitante com duas sacolinhas esverdeadas nas mãos. Passou então por um morador de rua, que lhe estendeu a mão e murmurou um pedido de ajuda.
- Desculpe, não tenho trocado - disse, e saiu rua acima em direção à sua casa, onde guardava suas moedas.
Aconteceu porém o que ele não contava. Sobreviveu e se viu em dívida com a boa senhora que sorria na igreja a olhá-lo de cima para baixo.
Logo que recebeu alta no hospital, saiu sedento por qualquer coisa que possuísse traços de sal, diferente da maldita comida insossa da casa de saúde que estava deixando. Se visse mais uma canja esbranquiçada e sem sabor na sua frente, seria capaz de ter um treco.
Para sua sorte, sua filha, já sabendo que não poderia ficar para ver o pai ter alta, e sob insistência do próprio genitor, voltou para sua cidade, para a companhia do filho e do marido, deixando com o senhor uma nota de 20 reais, para que ele não saísse de lá de mãos abanando. E não saiu. Saiu com as mãos nos bolsos a acariciar a nota áspera e a pensar em quais daquelas barraquinhas saciaria a sua fome de gordura.
A escolhida da vez foi uma mulher em um carrinho vermelho e amarelo, que mostrava uma face gigantesca a lamber os lábios e fazer um joinha para todos os que iam passando. Sentou-se em um banquinho de plástico ressecado e pediu um salgado misto. Comeu, se deliciou e ainda lambeu os dedos encharcados de óleo usado para a fritura. Pediu ainda outro. O mesmo ritual. Ficou com sede e pediu um copo de suco. Bebeu aquela água avermelhada, parecida com sangue anêmico e coagulado, que levava o nome de suco de goiaba.
Quando satisfez-se, entregou a nota de 20 reais à senhora, que fez uma careta ao tomar o dinheiro em suas mãos. Bom, era melhor que não receber. Então devolveu a ele sete notas de dois reais e uma moeda de um real. O homem então foi subindo a rua todo feliz, com um pouco de dores, mas longe daquele lugar infernal.
Subiu em um ônibus que iria para um terminal. O ônibus, estranhamente vago para aquela hora do dia, saltou pelas ruas de fortaleza, subindo e descendo em lombadas e dando arrancadas e freadas bruscas. Parou em um sinal, o sinal logo abriu e na próxima parada subiu um rapaz de uns 25 anos com uma mochila nas costas.
Começou aos berros a anunciar que estava vendendo amendoins, e em seguida começou a distribuir nas mãos dos poucos passageiros do ônibus. Quando terminou de fazer o seu marketing, passou novamente recolhendo o que tinha distribuído. O homem já estava pronto para dizer que estava sem trocado para comprar o pacotinho de amendoins, quando o jovem solta:
- Vamos lá, pessoal. Me ajudem...
Então a imagem da boa Maria apareceu em sua mente e o alfinetou.
Quando o rapaz passou para lhe tirar o amendoim, ele, ao invés de entregar o amendoim, entregou uma moeda de um real e abriu o pacote. Passou os próximos dez minutos sorrindo consigo mesmo. O rapaz que vendia amendoins desceu na parada seguinte, logo quando terminou de fazer o seu trabalho ali.
Duas paradas depois subiu um menino de uns doze anos que pulou a catraca e começou logo a distribuir pequenos bombons de hortelã para a população do ônibus. Passou o bombom na mão do homem e depois de alguns momentos começou a contar sua triste história e como estava ali com aqueles pequenos bombons para arrecadar dinheiro para comprar o café da manhã da sua irmã de dois anos que estava em casa com a mãe enquanto o pai tinha fugido de casa.
O garoto nem havia terminado de contar a história e o homem jáa estava futucando os bolsos. Tudo o que encontrou foi uma nota de dois reais. Suspirou e entregou ao garoto, cujo o rosto se iluminou. O homem abriu o bombonzinho e o comeu. O menino sentou umas duas cadeiras à sua frente todo contente olhando para a rua.
Duas paradas à frente subiu um senhor, um pouco mais velho que o homem que estava voltando do hospital, e começou a contar sobre uma cirurgia que havia feito e que o impossibilitava de trabalhar, e como agora estava passando fome e precisava de ajuda.
Já com os nervos dançando na sua cabeça, ele simplesmente entregou todo o dinheiro trocado que tinha para o homem, com todas as notas azuis se amassando nas mãos magras e enrugadas do senhor, que sorriu para ele com a boca sem dentes. O senhor murmurou um obrigado, guardou o dinheiro e saiu recolhendo o restante das ajudas. Enquanto isso o homem escorou a cabeça na janela e bufou duas vezes.
Ainda subiram mais duas pessoas pedindo ajuda no ônibus, e ele teve o prazer de dizer que não podia ajudar.
***
- Você não tem um dinheiro menos trocado? - disse para o homem que estava atendendo no mercadinho.- Tenho...
Recebeu uma nota de vinte reais e logo saiu saltitante com duas sacolinhas esverdeadas nas mãos. Passou então por um morador de rua, que lhe estendeu a mão e murmurou um pedido de ajuda.
- Desculpe, não tenho trocado - disse, e saiu rua acima em direção à sua casa, onde guardava suas moedas.
Gabriel Nunes
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