Expectativa
Ela vem. Ainda são seis e meia.
Não. Ela saiu com o outro.
Mas e se…
Lembra da promessa.
Ok, ok.
Deviam
ter umas trinta e cinco pessoas num apartamento de 30 m². Todos se
acotovelando até mesmo para ir buscar uma bebida na mesinha da sala.
Para Paulo tudo aquilo parecia sem sentido e vazio. Ele estava na
janela olhando para baixo esperando para vislumbrá-la quando
chegasse em seu característico vestido róseo.
–
Oi! - disse uma moça loira muito bem-apessoada que se aproximou
dele.
Ele
se afastou um pouco da janela, a mente imaginando que a qualquer
segundo ele poderia perder a chegada triunfal.
–
Oi – ele respondeu sem ânimo. O corpo lentamente voltando a
posição que estava antes.
–
Você é o Paulo, né? O cara que armou essa festa – ela perguntou
muito simpática exibindo os dentes alabastrinos e retíssimos. Ele
apenas fez que sim com a cabeça, deu uma olhadela rápida para a
janela e imaginou por um instante ver a cor do aparelho dela.
Vendo
que não ia obter uma resposta melhor da parte dele ela continuou.
–
Na verdade eu só queria usar o banheiro. Você poderia me mostrar –
Ele voltou a olhar para ela e viu que havia dado um passo para
frente, alcançando uma distância incômoda. De onde ela estava ele
podia sentir o cheiro de álcool no hálito dela.
Vai
nessa, esquece a outra. Ela não vem.
–
A porta ao lado da geladeira – disse lacônico e dando um passo
para trás.
–
Mas ele tá ocupado. Você não poderia me levar num lugar que
tivesse banheiro? - ela disse dando mais um passo, esse bem largo, à
frente, tornando a distância entre os dois nula. Seus corpos se
tocaram. Apesar do ar-condicionado fortíssimo ele podia sentir o
suor por baixo da blusa justa (ou seria o dele próprio?).
Ele
deslizou para longe do contato da moça puxando pelo braço um amigo
seu que ia passando.
–
Rodrigo! Essa aqui é a… não importa. Ela precisa ir ao banheiro,
o daqui de casa está ocupado (sabe como é esses salgadinhos, né?).
Você poderia levar ela em algum lugar que tenha banheiro?
–
Claro! Porquê não? - Rodrigo disse com um sorriso de orelha a
orelha no rosto. Puxou a garota bêbada pelo braço e os dois saíram
andando em direção à porta – Então, o que você achou do Star
Wars VIII? - foi a última coisa que Paulo ouviu antes dos dois
saírem.
Os
minutos foram passando e junto com eles as horas. Ainda faltavam
algum tempo para a meia-noite, mas já se podia ver alguns fogos
explodindo no céu, o pintando com suas cores.
Quando ela chegar aqui eu vou dizer tudo a ela, sob a luz dos
fogos.
Ela não vem. Além do mais, você já teve a sua chance.
Eu não tive. Ali tinha muita gente.
E aqui não tem?
Mas ninguém aqui estará prestando atenção em mim.
Nem ela. Porque ela vai estar na praia com o outro cara.
Que nada. Agora mesmo ela deve estar decepcionada com o outro cara
(que parece ser um chato de galocha) e pensando no meu convite.
Você está fazendo de novo.
Algumas
pessoas começavam a se embriagar. A comida havia acabado e a bebida
estava quase no fim. As pessoas ficavam cochichando nos cantos sobre
como seu anfitrião era desleixado por deixar esses itens em falta.
Paulo, de seu lugar da janela
estava alheio a tudo isso.
–
Amigo… - disse um cara se
aproximando da janela onde Paulo estava. Pôs
a mão no ombro dele para chamar a atenção.
- Só pra avisar que a comida acabou.
–
Hã? Tá certo – disse sem sequer
olhar pra quem lhe falara.
–
E você não vai fazer nada a
respeito?
–
Tipo o que?
O
cara, furioso, vira para o restante da festa e grita pra todos.
–
Beleza galera. O cara não vai fazer
nada. Vamos procurar outro canto pra virada.
Essas
palavras ativaram um alarme na mente de Paulo.
Droga, ela não pode chegar aqui e não ter festa.
Ela não vem. Por que você simplesmente não acaba com essa festa
idiota e vai dormir e torcer pra cumprir suas promessas no próximo
ano.
Ela vem. Ela deve estar agora mesmo esperando um táxi pra vir.
Fez de novo.
–
CALMA! - ele gritou assustando todo
mundo. - Eu já vou comprar comida.
Correu
porta afora deixando todas as pessoas em sua casa, sem entender o que
estava acontecendo. Desceu pelo elevador, passou pelo porteiro sem
sequer dar boa noite e saiu na rua.
Conforme
as horas se passavam os fogos se tornavam mais frequentes e mais
coloridos, o fazendo rever em
sua mente a cena onde se
declarava
para ela. O que
só fazia algo no fundo de sua mente gritar mais e mais: ELA
NÃO VEM!
Quando
saiu do prédio encontrou o trânsito congestionado. Dezenas de
pessoas tentando reencontrar suas famílias e, pelo menos para ele,
entre eles estava o táxi dela.
Já
pensou se ela me vê e desce correndo do táxi, me abraça e me
beija.
Você
é ridículo.
Como
não podia pegar o carro, foi no mercadinho perto de sua casa e
comprou sacos e sacos de salgadinho, caixas e mais caixas do álcool
mais barato que conseguiu encontrar
e voltou para casa.
Menos
de dez minutos depois a festa estava abastecida e as pessoas
sorridentes
de novo.
Os
fogos iam aumentando,
tanto na frequência quanto na elaboração das explosões,
denunciando o avançar das
horas. Constantemente clarões
verdes, vermelho e cor-de-rosa manchavam o céu com seus milhões de
partículas substituindo por alguns segundo o céu estrelado que
perdemos.
E
de repente veio a contagem.
Cinco, quatro, três, dois, um….
–
FELIZ ANO-NOVO! - todos gritaram em
uníssono, pegando Paulo desprevenido.
O
grito o acertou como um soco.
Ela
não veio…
Ela
não veio.
E
de repente toda aquela esperança que ele havia alimentado por meses
estava pouco a pouco se transformando em tristeza. Uma mancha escura,
uma mácula, naquele ambiente de alegria e celebração do
novo ciclo que começava.
Ela
está com o outro.
Foi
nessa hora que ele percebeu que havia quebrado sua promessa de novo.
E assim,
apoiado no parapeito da janela,
repetiu sua velha promessa, mas dessa vez com a consciência de que
nunca seria forte o suficiente para cumpri-la. E
deixou que o vento frio levasse as palavras:
Nunca
mais vou criar expectativa.
E
algo no fundo de sua mente murmurou:
Me
engana que eu gosto.
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