Sou Eu?

Os dois assentos gêmeos logo atrás da porta central do ônibus pareceram brilhar quando Carlinhos entrou no transporte público. Àquela hora da manhã, indo para o trabalho, dois assentos vagos assim, lado a lado, era tão raro quanto encontrar uma barra de ouro dando sopa jogada pelo chão

Passou a catraca empurrando quem estivesse em sua frente e ouvindo reclamações no caminho, e manipulando sua mochila para que não ficasse presa em nenhum lugar, tal qual um ninja. Anos de prática, sabia bem como lidar com aquele monstro de metal azul e branco.

Chegou à catraca, mas não cedo o suficiente. Uma senhora, idosa, que caminhava como se o mundo estivesse em câmera lenta, lhe tomou a frente e começava a caminhar, com passos arrastados, em direção ao fundo do ônibus. Mas para Carlinho, aquela maldita iria tomar o maravilhoso lugar que ele havia separado em sua mente. Aquele assento do lado da janela, com outro assento vago logo ao lado, era dele; isso segundo ele próprio.

Começou a futricar a mochila, caçando sua carteira que parecia estar brincando de esconde-esconde com ele. Quando sentiu o couro sintético em sua mão, trouxe a maldita à tona e encostou ela no leitor de cartão, para que fosse logo descontado o valor da passagem de seu passecard, escondido dentro da carteira.

A primeira vez que ele tentou deu erro. Olhou para a senhora, e ela já estava analisando a cadeira que era dele. Tentou uma segunda vez. Erro de novo. Enquanto tentava a terceira, olhou para a velhinha e suspirou aliviado quando viu que ela tinha decidido sentar ao lado de uma mulher, e não nos assentos vazios.

Enquanto seu corpo se aliviava, a catraca destravou e ele entrou na barriga da fera. Caminhou imponente em direção ao assento, tirando a mochila das costas e a levando quase como uma criança de colo. Sentou ao lado da janela, abriu o vidro e sentiu o vento quente e poluído da cidade lhe acertar o rosto. Aquilo sim era felicidade.

O ônibus seguiu sua rota parando o tempo inteiro. Deve ter levado quase uma hora só para sair do bairro, e cada vez enchendo mais. As cadeiras iam sendo ocupadas uma a uma.

Tomara que ninguém sente do meu lado, pensou se ajeitando na cadeira, fingindo que olhava para o lado de fora, mas encarando o ônibus inteiro de rabo de olho.

Quando estavam às portas de saírem do bairro, Carlinhos estranhou. Olhou ao redor diretamente e viu pessoas de pé, o ônibus completamente lotado, mas o assento ao seu lado ainda vago.

"Senhora", disse para uma senhora de coque que estava de pé próximo a ele, "A senhora não quer sentar?".

"Não, tô bem meu filho", disse sorrindo com sua dentadura.

E enquanto o ônibus seguia, ia enchendo mais e o assento sempre desocupado. Quando viu que as pessoas começavam a ficar entaladas umas entre as outras, ele pensou consigo:

É. Chegar no trabalho vou precisar tomar outro banho

Comentários

  1. Oi bom dia Gabriel. Tudo bem? Sou brasileiro, carioca e quero apresentar o meu Blogger. Novos amigos são bem vindos, não importa a distância. Gostaria de lhe convidar a seguir o meu Blogger. Espero brevemente conhecer o Ceará.

    https://viagenspelobrasilerio.blogspot.com/?m=1

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