A sorte que eu às vezes não vejo


Algumas pessoas ainda afirmam de pés juntos que magia não existe. Eu olho para essas pessoas com a melhor cara de descrença que meu rosto inexpressivo — resultado de uma infância isolada — me permite fazer. Como uma pessoa pode estar em contato com a arte o tempo inteiro na sua vida e não reconhecer a magia que transborda dali e inunda o mundo, tornando ele um pouco mais habitável, olhando desse modo somos quase peixes, vivendo em um mundo que quer dia após dia ficar mais enxuto, mas buscando sempre pequenas poças de genialidade para finalmente respirarmos. 

Imagino que arte seja como magia em todos os aspectos, inclusive naquele que diz que só funciona em quem acredita. Sim, a arte pode mudar a realidade, mudar sentimentos e alterar cursos. Mas tem que ser a arte certa, no momento certo e para a pessoa certa. 

Cada pessoa é atingida mais facilmente por algum tipo de arte. No meu caso em particular, é a música. Música pode mexer com meus sentimentos de tal forma que imagino se não sou apenas um fantoche de bandas e cantores. 

Há poucos momentos atrás eu esbarrei com a música Sujeito de Sorte, do gigante poeta Belchior. Aquela música me atravessou, carne e alma, mas não como uma flecha, como um bisturi que abriu espaço para mudanças ocorrerem dentro de mim. 

“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro 

Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” 

Essa música me falou tanto…

Nos últimos anos me vi sangrando diversas vezes com machucados que um band-aid não poderia cobrir; chorando diversas vezes por motivos que nem eu mesmo entendia quais eram, apenas uma sensação de que a vida era peso demais para mim, era difícil demais e eu não tinha o que precisava para prosseguir. Como se eu tivesse me disposto a correr uma maratona e no meio dela eu começasse a não sentir as pernas, olhasse para frente e apenas avistasse quilômetros e quilômetros de estrada a serem percorridos.

“Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte 

Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte 

E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado 

E assim já não posso sofrer no ano passado”

E lembrar desses momentos escutando essa música, me fez refletir como passar e lidar com tudo o que passei, muitas vezes sozinho, apenas mostra que eu sou capaz, que apesar de ser tão jovem eu posso enfrentar e lidar com tudo aquilo pelo que passei; que tudo aquilo foi embora, e novos problemas virão, e o que está lá atrás não pode me atingir. Me inspira esperança nos tempos que virão, que serão melhores do que as tragédias que tivemos o desprazer de esbarrar. 

Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte, pois o acaso em diversas vezes esteve ao meu lado, me jogando aquela garrafa de água quando estava quase desidratando. Dessa vez, Sujeito de Sorte foi essa garrafa d’água. O fôlego que eu precisava para vencer a vontade de desistir e continuar encantado com o que o futuro me reserva, pois o ano passado não pode me matar de novo, e ano que vem eu não morrerei.

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