Democracia
Naquele dia eu estava na rua com minha mãe. Tínhamos nos afastado um pouco mais do que o de costume, pois a venda perto de nossa casa estava com falta de frutas. Havíamos acabado de chegar quando a sirene tocou repentinamente. Logo, todo o ar ao nosso redor parecia vibrar com o estridente som. Poderia ser isso, ou então os corpos trêmulos dos camelôs ao nosso redor, naquela viela estreita.
O som veio como um vento que traz um miasma oriental. Todos na rua se apressaram e uma máscara de medo caiu sobre suas faces. Lembro de minha mãe sussurrando agoniada: "Ainda é muito cedo"
Logo casas, as quais eu nunca havia visto de portas abertas, se abriram, e pessoas vestidas de azul das cabeças aos pés, contrastando com as vestes de tons carmins das pessoas da rua. As pessoas de azul saíram de casa e começaram a ocupar os lugares onde as pessoas de vermelho antes estavam, as quais haviam sumido como que por mágica.
Mamãe e eu estávamos longe de nossa casa, portanto corremos. Ela me arrastava enquanto meus pés tropeçavam neles mesmos. Atrás de nós, portas se abriam e mais pessoas de azul se precipitavam às ruas. Logo, casas à nossa frente começaram a abrir as portas. As sobrancelhas desses recém-chegados se franziam e logo os murmuros de indignação se tornaram gritos de ataque.
"VADIA! PUTA! IDIOTA! VERMELHA"
Senti vontade de revidar, como fiz quando os garotos da sala a xingaram, mas olhei para o rosto dela e vi que lágrimas escorriam em sua face. Uma delas saltou de seu queixo e caiu perto de minha boca. Senti seu gosto, de mar e tristeza... não... tinha algo a mais... era gosto de medo.
Finalmente viramos a esquina da nossa casa e percebi que uma pequena procissão nos seguia, entoando seus cãnticos de "VADIA! PUTA!".
Quando chegamos em frente nossa casa, vi um sorriso aliviado surgir tímido no rosto da minha mãe. Ela procurava em um molho de chaves uma que servisse no cadeado que encerrava o portão.
Olhei para a esquina e vi que a maior parte das pessoas apenas agora estavam virando a esquina. Havia uma movimentação estranha entre eles e a multidão parou para que um homem - o qual parecia ter a camisa mais azul dentre todos ali - surgiu segurando um objeto estranho em sua mão, que ele apontou em nossa direção.
Ouvi o clique metálico do cadeado. que foi quase engolido pelo alto barulho que o objeto do homem fez
O cadeado tombou.
Em seguida, minha mãe.
Os lábios dela gesticularam algo como "entra". Uma poça vermelha se formou, se confundindo com a blusa vermelha que ela usava, fazendo parecer que ela na verdade estava derretendo.
Em choque, entrei em casa e fiquei segurando a mão de minha mãe através dos vãos do portão.
Ouvi uma turba festiva descendo a rua. Seus sons vinham aumentando, até que chegaram na nossa casa e se aproximaram do corpo de minha mãe. A puxaram pelos pés, afastando-a de mim e a levaram até o meio da rua. E eu fiquei ali, atônito, observando através daquelas barras de metal enquanto eles faziam atrocidades com o corpo dela. Continuaram com isso até que o corpo parou de se mexer e reclamar. Foram embora e o deixaram ali apodrecendo, até que três dias depois a sirene tocasse novamente. Fiquei todo esse tempo vigiando ela, como se esperasse que um dia, quando eu olhasse, ela não estivesse mais ali, e sim na cozinha preparando meu café da manhã. Isso não aconteceu.
Agora, na minha frente, com as pernas quebradas e agarrada ao seu filho, tenho uma puta vestida de azul. Começarei pela criança. Não quero que passe pelo mesmo que eu.
O som veio como um vento que traz um miasma oriental. Todos na rua se apressaram e uma máscara de medo caiu sobre suas faces. Lembro de minha mãe sussurrando agoniada: "Ainda é muito cedo"
Logo casas, as quais eu nunca havia visto de portas abertas, se abriram, e pessoas vestidas de azul das cabeças aos pés, contrastando com as vestes de tons carmins das pessoas da rua. As pessoas de azul saíram de casa e começaram a ocupar os lugares onde as pessoas de vermelho antes estavam, as quais haviam sumido como que por mágica.
Mamãe e eu estávamos longe de nossa casa, portanto corremos. Ela me arrastava enquanto meus pés tropeçavam neles mesmos. Atrás de nós, portas se abriam e mais pessoas de azul se precipitavam às ruas. Logo, casas à nossa frente começaram a abrir as portas. As sobrancelhas desses recém-chegados se franziam e logo os murmuros de indignação se tornaram gritos de ataque.
"VADIA! PUTA! IDIOTA! VERMELHA"
Senti vontade de revidar, como fiz quando os garotos da sala a xingaram, mas olhei para o rosto dela e vi que lágrimas escorriam em sua face. Uma delas saltou de seu queixo e caiu perto de minha boca. Senti seu gosto, de mar e tristeza... não... tinha algo a mais... era gosto de medo.
Finalmente viramos a esquina da nossa casa e percebi que uma pequena procissão nos seguia, entoando seus cãnticos de "VADIA! PUTA!".
Quando chegamos em frente nossa casa, vi um sorriso aliviado surgir tímido no rosto da minha mãe. Ela procurava em um molho de chaves uma que servisse no cadeado que encerrava o portão.
Olhei para a esquina e vi que a maior parte das pessoas apenas agora estavam virando a esquina. Havia uma movimentação estranha entre eles e a multidão parou para que um homem - o qual parecia ter a camisa mais azul dentre todos ali - surgiu segurando um objeto estranho em sua mão, que ele apontou em nossa direção.
Ouvi o clique metálico do cadeado. que foi quase engolido pelo alto barulho que o objeto do homem fez
O cadeado tombou.
Em seguida, minha mãe.
Os lábios dela gesticularam algo como "entra". Uma poça vermelha se formou, se confundindo com a blusa vermelha que ela usava, fazendo parecer que ela na verdade estava derretendo.
Em choque, entrei em casa e fiquei segurando a mão de minha mãe através dos vãos do portão.
Ouvi uma turba festiva descendo a rua. Seus sons vinham aumentando, até que chegaram na nossa casa e se aproximaram do corpo de minha mãe. A puxaram pelos pés, afastando-a de mim e a levaram até o meio da rua. E eu fiquei ali, atônito, observando através daquelas barras de metal enquanto eles faziam atrocidades com o corpo dela. Continuaram com isso até que o corpo parou de se mexer e reclamar. Foram embora e o deixaram ali apodrecendo, até que três dias depois a sirene tocasse novamente. Fiquei todo esse tempo vigiando ela, como se esperasse que um dia, quando eu olhasse, ela não estivesse mais ali, e sim na cozinha preparando meu café da manhã. Isso não aconteceu.
Agora, na minha frente, com as pernas quebradas e agarrada ao seu filho, tenho uma puta vestida de azul. Começarei pela criança. Não quero que passe pelo mesmo que eu.
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