Surpresa!!!

Tudo o que se ouvia na noite soturna era o som do ventilador revolvendo o ar do lugar, indo e voltando, como que meneando a cabeça em uma perpétua negativa.
Passos interromperam o silêncio lúgubre. Não passos violentos como de alguém correndo. Passos que soaram como os de um ratinho caminhando calmamente noite adentro. Se dirigiram através da sala, subiram a escada e estancaram frente a uma porta de madeira. A porta foi aberta com um rangido suave e a pessoa de um metro e oitenta se postou em frente à cama de pernas nanicas. Parecia como um gigante, vendo um João qualquer deitado na cama; aquele, porém, não era um joão qualquer. Era sua mãe.
Como que sentindo a sombra que se projetava sobre ela, criada pela luz que entrava pela porta, a mulher acordou. Sua primeira reação foi querer gritar. A segunda foi não conseguir. O grito se enganchou na sua garganta e quase a engasgou, não tivesse ela o engolido novamente graças a uma golfada de fôlego repentino que tomou.
Quem era aquele maníaco gigante ali?, se perguntou. Logo que percebeu que se tratava de seu filho, se acalmou; como se, por alguma razão, esse fato diminuísse cinquenta centímetros, vinte quilos e sete anos dele.
“O que você quer aqui, menino?”, ela perguntou.
"Mãe….", ele falou ajeitando o fraque que vestia e que havia usado no casamento da tia, meses atrás. Mas aquilo deveria ter sido devolvido…. "vem fazer parte da minha exposição".
A mulher olhou nos olhos dele e viu que eles não eram de seu filho. Eram vítreos e brilhantes, quase que cintilantes na escuridão. Não pareciam ser maus, apenas desprovidos de qualquer expressão humana.
Sentou-se na cama de casal e se arrastou até ficar o mais longe possível daquele olhar. De nada adiantou, pois, como um polvo, ele estendeu seu braço, que percorreu toda a extensão da cama e ainda permanecia dobrado nas juntas. Os dedos, tal qual ventosas asquerosas, aderiram ao braço dela e a puxaram. Tentou resistir, mas no fim não teve opção. Era isso ou ter o braço arrancado.
Os dois caminharam lado a lado, com o gigante entrelaçando os dedos nas mãos de sua mãe. Os longos apêndices de sua mão quase dando duas voltas na mãozinha de mulher ao seu lado, que batia com o ombro em seu flanco.
“Você vai adorar participar da minha exposição”, ele disse quando os dois estavam descendo as escadas. Depois de estar no primeiro andar de novo, mais precisamente na sala, onde a escada terminava; caminharam pelo cômodo silenciosamente, como uma procissão de dois. Foram para a cozinha, onde tinha uma porta à esquerda que dava para o seu quarto. A luz da cozinha estava apagada, a do quarto também, assim o que havia era apenas um mistério ocultado por sombras.
Quem entrou primeiro no quarto foi o filho, que sumiu, devorado pela escuridão. Apenas para reaparecer segundos depois com uma explosão de luz, vinda de uma lâmpada de LED no centro do teto do quarto. Ele correu para o centro do recinto, abrindo os braços como o apresentador de algum circo, no meio do picadeiro, pronto para apresentar a exploração o talento alheio. Ao seu redor, como se orbitasse em torno do seu criador, estava…. aquilo.
À sua esquerda, seis fotos mostravam o passo a passo de uma estripação de um gato. A primeira foto mostrando o gato com a massa encefálica para fora do crânio, com o corpo em uma posição estranha. A segunda foto mostrava uma faca grande e brilhante se posicionando no alto do tórax do felino. A terceira mostrava a lâmina inserida na carne, a quarta mostrava os órgãos vitais do gato, com seu peito aberto como um casaco. A quinta era a esviceração; enquanto a sexta mostrava o gato vazio circundado pelos seus órgãos.
À sua direita fotos diversas eram expostas. Uma era de uma pomba pregada em uma cruz de madeira, fincada de cabeça para baixo no chão. Outra tinha um cachorro com a boca costurada, olhando com olhos vermelhos e caídos para a câmera. Afora outras imagens horrendas que eram ostentadas pelas paredes.
Do teto pendiam vísceras semidecompostas, com um cheiro insuportável reinando em todo o lugar.
Mais à frente do quarto, tinha um criado-mudo, que tinha uma câmera em cima; na parede acima dele havia uma moldura em madeira, pendurada mais ou menos um metro acima. Quando percebeu que a mãe estava olhando, disse “vem fazer parte da minha exposição”.
"M-meu filho, o que é isso?", ela disse com a voz tremida e vacilante de alguém que sofreu um trauma.
“Minha exposição, que eu fiz ao longo dos anos. Desde que a senhora me deu essa câmera”, ele dizia com um sorriso no rosto e os olhos vidrados. A mulher sentiu um arrepio lhe subir pelas costas.
“Agora, mamãe…. a pessoa que eu mais amo….” ele se aproximou dela e a abraçou, "…. vai fazer parte da coisa que eu mais amo também".
A mulher tentava controlar a respiração, como uma tentativa fútil de parar os calafrios que sentia ao olhar para aquela moldura na parede.
O aço frio saiu fora do bolso e brilhou à luz de LED do quarto, se olhasse bem, poderia achar até mesmo que o metal estava sorrindo, assim como o dono da mão que o segurava….


Os homens fardados encontraram o lugar após reclamações dos vizinhos de um mal cheiro insuportável que vinha da casa ao lado. Tiveram que derrubar a porta para conseguir entrar, e o primeiro policial que entrou no quarto, seguindo o cheiro de putrefação, desmaiou com a cena, tombando no chão. O segundo policial, que vinha há um metro dele, deu um salto quando viu que o parceiro tinha caído e ficou frente à frente com a cena. Em cima do criado-mudo, as duas mãos, arrancadas do tronco, se equilibravam em pé com a ajuda das pernas, e com as palmas abertas, seguravam um coração humano.
Quando o policial subiu a vista, encontrou uma moldura de madeira. A moldura era muito bem trabalhada, com detalhes dourados a enfeitando. Isso impressionava, mas não tanto quanto o que estava no centro da moldura. Parecia uma máscara, que, presa apenas pela testa, deixava a boca pender aberta como se a face estivesse em um esgar de horror.
O homem se aproximou e viu que aquilo não era borracha, nem plástico. Era pele humana. De repente a boca aberta naquele esgar se tornou um grito de misericórdia que, de tão forte e desesperado, agora ficaria gravado para sempre naquele rosto.
Guardou a arma e tonteou. Foi embora avisar para o delegado que ainda tinham muito trabalho para fazer.

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