Gelo
O primeiro gelo. Aquele sim foi uma briga séria.
Sabrina se irritou com Juliano por ele ter saído sozinho, e sem
avisar, com sua amiga de infância e ex-namorada, Yasmim. Juliano
argumentou que os dois já haviam conversado sobre isso no começo do
namoro, sobre ele poder manter amizades como a de Yasmim. Sabrina
lembrou que por ser começo de namoro, ela acabou aceitando, mesmo
que incomodada. Agora chegara ao cúmulo de Juliano ir sozinho ao
cinema com ela.
A briga foi feia. Mães foram xingadas e o desempenho sexual dos dois
foi criticado. Ao final, Juliano disse Não posso namorar com
alguém que não aceita as minhas amizades. E
saiu porta afora.
Algumas horas depois, Sabrina pensou
em todos os amigos que
ela tinha, e que mesmo quando ela foi para uma confraternização da
empresa sem Juliano, ele não reclamou (embora, com certeza, não
estivesse muito feliz com isso). Tentou ligar para ele, mas sempre
caía na caixa postal. Ela mandou uma mensagem no whatsapp, mandou
sms, deixou até um recado na caixa postal – quem em sã
consciência faz isso? – mas sem nem mesmo sinal de vida por parte
dele.
Uma possibilidade passou pela cabeça
dela, enquanto remoía a última frase de
Juliano. Não posso
namorar com alguém que não aceita as minhas amizades. O
coração dela apertou. Gostava dele.
Na verdade, tinha uma leve suspeita de que o amava. Começou a
chorar. Cada minuto que passava acordada era destinado a chorar, ou
pensar em Juliano saindo de sua vida; resolveu então dormir. Mas
suas lágrimas molharam o travesseiro, deixando o tecido frio e
incômodo, o que não deixava ela dormir, logo ela continuava a
pensar em Juliano, molhando ainda mais o travesseiro.
Inevitavelmente ela tombou perante o sono. Acordou com o toque de seu
celular. Saltou da cama com o aparelho (que ficava na cabeceira da
cama) já na orelha.
Me desculpa, amor. Tudo bem você ser amigo de sua ex. Eu só
quero você aqui.
Ela despejou antes que Juliano pudesse ao menos falar. Também havia
sentido uma falta desgraçada dela, mas o orgulho (e um conselho de
Eduardo, um amigo) o fizeram se segurar para ligar somente pela
manhã.
No outro dia tudo havia voltado ao normal.
Até o segundo gelo, que aconteceu alguns meses depois, simplesmente
por ela ter derrubado a sua moto, enquanto os dois lavavam. Ele
passou três dias sem falar com ela, até receber uma ligação de
Sabrina pedindo encarecidamente perdão pelo que havia feito.
E tudo voltou ao normal.
Até o terceiro gelo, que veio quase meio ano depois do primeiro,
quando Juliano não gostou do corte de cabelo que Sabrina fez. Depois
de uma semana sem conversarem, Sabrina resolveu mudar o corte, pois
estava começando a sentir saudades. O gelo acabou quando veio a
ligação.
Tudo voltou ao normal… mas não por muito tempo.
Uma semana depois do terceiro gelo, veio o quarto. Esse por causa das
roupas de Sabrina. Juliano não havia gostado da saia que ela usou em
um churrasco entre amigos. Ficou um clima ruim o churrasco todo.
Sabrina encarou a minissaia por um bom tempo, mesmo depois que
começou a sentir saudades de Juliano (uns dez dias depois).
Realmente se sentia bem com aquela minissaia. Mas lembrou a sensação
de dormir de conchinha com o namorado, de sentir o calor do corpo
dele… Logo estava ligando para ele.
Nem preciso dizer que as coisas voltaram ao normal. Também não
preciso dizer que esse não foi o último gelo.
Houve o dos filmes que ela assistia, que durou duas semanas e
aconteceu duas semanas depois do quarto.
Houve também o dos livros que ela lia, que durou quase um mês.
Até que, depois de uma noite entre amigos de Sabrina, Juliano disse
que não queria ela no meio de homens. Saiu da casa dela, já
planejando o gelo.
Sabrina então, já prevendo o que aconteceria, marcou um último
encontro com os amigos. Juntou os que ela trazia desde a faculdade
com os amigos do trabalho. Uma última saída para falar para todos
que não a veriam mais.
O grupo de whatsapp com os amigos do trabalho e da faculdade foi o
melhor grupo já feito na face da terra. Ela teve medo que as pessoas
não se dessem bem, que o papo ficasse morno por não se conhecerem,
mas muito pelo contrário. Dia e noite rolavam mensagens, até que
chegou o dia do encontro.
Foram para um barzinho. Matheus, com seu humor ácido, começou a
tirar sarro do nome de Enzo. De repente tudo havia virado uma grande
discussão sobre nomes imbecis. A melhor discussão de todas.
Bem… Sabrina não conseguiu falar para eles.
E Juliano esperava a ligação dela.
Ela marcou novamente na outra semana. Agora as pessoas do trabalho
faziam questão que as da faculdade fossem também.
Foram a um parque de diversões. Poxa, aquele dia foi louco.
Impressionante como aqueles dois grupos se davam bem. Não eram mais
o grupo de amigos do trabalho e o grupo de amigos da faculdade. Eram
o grupo de amigos da Sabrina.
E os encontros continuaram acontecendo, sem Sabrina nunca conseguir
se desfazer dos seus amigos. E os laços entre as pessoas do grupo
foram se estreitando. Saiu até casalzinho. Numa balada que eles
foram, pegaram Bruno e Rodrigo se agarrando atrás de uma coluna.
Depois de dois meses sem falar com Juliano, Sabrina começou a sentir
falta dele. Aconteceu no meio de uma rodada de War entre as pessoas
do grupo, que formaram duplas para jogar. Ela passou um bom tempo
encarando cada um dos seus amigos. Aquelas gargalhadas, aquelas
piadas de mau gosto, aquela alegria toda. Ia abrir a boca…
Sabrina! Acorda mulher. É a tua vez de jogar os dados.
E ela jogou. Tirou dois 6. Gritos encheram o lugar.
E Juliano esperou a ligação dela. Mas ela nunca ligou.
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