Histeria


O homem virou a página do jornal e leu a manchete:
Extrema violência na cidade pode causar histeria na população, afirmam estudiosos.
O homem fez um muxoxo, fechou o jornal e o dobrou sobre a perna.
“Histeria. Essas manchetes são sempre muito exageradas”, pensou.
Tombou sua cabeça para trás e fechou os olhos sentindo a brisa. O sol, como em todo dia em Fortaleza, brilhava alto e forte com poucas nuvens para desafiar sua soberania.
Do banco da praça onde estava olhou para a rua à sua frente. O calor do asfalto distorcia as imagens.
Do outro lado da estreita rua havia uma mercearia que ostentava, até com certo orgulho, um caixa eletrônico que se dizia vinte e quatro horas, o que todos sabiam que era mentira.
O homem no banco moveu seu olhar para a fila de quatro pessoas que sacavam seus salários, ou consultavam suas dívidas, ou apenas se decepcionavam ao perceber que toda a verba do mês havia ido pelo ralo.
Foi quando de longe o homem reparou numa agitação na fila. Algumas pessoas que antes estavam alheias ao caixa se aproximavam, se agachavam para ver alguma coisa detrás do caixa e saíam horrorizadas como se tivessem visto o próprio diabo dormindo escondido e embriagado atrás do caixa.
Como dizem que a curiosidade matou o gato, o homem se levantou, olhou rápido para os dois lados antes de atravessar a rua e foi até o caixa eletrônico que era a nova sensação do momento.
Quando chegou lá a meia dúzia de pessoas haviam se multiplicado como uma cepa de bactérias e se transformado numa pequena multidão.
Cutucou as costas de um homem que estava na sua frente e perguntou;
-O que é que tá acontecendo aqui?
-Parece que encontraram uma bomba aqui, pronta pra explodir o caixa – disse em tom alarmado.
“Por que alguém explodiria o caixa com uma bomba relógio?” ele se perguntou.
O homem que já estava antes na fila, ao ver a cara de descrença que o outro fez continuou:
-Se não acredita vai olhar… se tiver coragem.
Aquilo soou como um desafio. Acotovelou uns oito e se aproximou do caixa. Do lado esquerdo do caixa um saco de papel com a boca enrolada emitia um som que, pelo menos da distância de onde estava parecia com um tic tac.
Ainda descrente que alguém explodiria um caixa apenas pelo caos aproximou a mão do saco. Pretendia abri-lo e mostrar a todos ali que aquilo não passava de… de… do que quer que fosse.
Quando estava prestes a tocar na superfície do saco ouviu um grito.
-Saiam daí seus idiotas – todas as cabeças se viraram na direção de um marombeiro de camiseta regata que haviam saltado de um dos corredores do mercadinho. - Essa bomba pode explodir a qualquer momento.
E a multidão se dispersou como um bando de pombos quando se anda no meio deles. Apenas o homem ficou, a mão estendida para pegar o saco e os olhos arregalados com a surpresa por conta da movimentação repentina.
Com força foi puxado para trás. Olhou e viu que quem havia se atrevido tinha sido o Marombeiro.
-Sai daí seu idiota! - disse empurrando o homem para mais longe ainda da “bomba”. Ele cambaleou com seus tímidos 62Kg e finalmente se equilibrou. Ajeitou os óculos e, de cara amarrada, voltou para o seu banco ouvindo os burburinhos das garotas que olhavam para o “homem-bíceps”.
Abriu o jornal e tentou continuar sua leitura, mas seu olhar sempre se desviava para os observadores da bomba, assim como um pedaço de ferro é atraído para um ímã. Todos falavam alto, como todo bom cearense, e de repente se silenciaram. E mais uma vez a curiosidade matou o gato. Atravessou a rua de novo e foi até a turba, descobrir o que a silenciara.
Tentou olhar por cima das pessoas mas a agitação e a avantajada condição craniana dos nativos do Ceará não permitiu que ele visse.
Novamente teve que empurrar e acotovelar para poder conseguir enxergar alguma coisa. Quando pôde ver algo tentou segurar a risada.
A cena era o Marombeiro indo para perto da bomba na ponta dos pés. Quando ouvia qualquer barulho, como uma moto na rua, dava um salto para trás assustado. Assim, com dez ou quinze, minutos (os quais pareciam horas. Horas longas, mas, ainda assim, divertidas). O Marombeiro segurou o saco com uma mão e, num único e espasmódico movimento, atirou o saco na rua.
O saco posou bem no centro da rua. Um motoqueiro que passava no momento, assustado com a aparição repentina de um saco de papel voador, na tentativa de desviar se estatelou no chão. Gritou alguns impropérios para as pessoas que tinham atirado o saco. Levantou a moto e foi embora.
Logo toda a multidão estava no meio da rua impedindo o fluxo do trânsito e espalhando para Deus e o mundo que havia uma bomba no meio da rua. O que explica o porque da polícia não ter se demorado a chegar. Logo todo o equipamento antibombas da polícia estava em ação.
As pessoas que se aproximavam eram afastadas e os curiosos recebiam respostas curtas e enérgicas.
-Sim, todos estão seguros… Não, a bomba não é muito potente… Sim, eu aceitamos um pãozinho com café.
A essa altura o sol já não era tão calcinante. As sombras já se alongavam como se espreguiçassem-se se preparando para a noite que viria. Foi quando veio a notícia: a bomba finalmente havia sido desarmada. Todos ovacionaram o trabalho policial. Eles comeram o pão com café e foram embora levando a bomba.
A multidão se dispersava enquanto o homem voltava para seu banco boquiaberto. Afinal era uma bomba de verdade. Ele imaginou se o Marombeiro não o tivesse parado, será que ele estaria bem agora?
Apanhou o seu jornal, agora atirado ao chão por algum vento, olhou para o lugar onde antes havia uma bomba.
Sua mente ainda se recusava a acreditar que estivera tão perto de uma bomba e saiu vivo.
Agora apenas um homem estava lá. Não estava usando o caixa. Ele apenas olhava de um lado para o outro como se estivesse desorientado, ou procurando algo.
Quando viu o homem no banco foi até ele e perguntou:
-Senhor? O senhor está aqui desde as três da tarde?
-Estava sim. Por que?
-Será que o senhor não viu se alguém levou o presente da minha avó? Eu esqueci ele do lado do caixa eletrônico e sumiu. Era um relógio que estava embalado em um saco de papel.
Quando ouviu essas palavras o homem colocou seu jornal debaixo do braço e começou a gargalhar. Deu dois tapinhas no ombro do que tinha lhe perguntado e foi embora, rindo rua acima. Agora considerava as manchetes um pouco menos exageradas.

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