Outro alguém
Em diversas culturas a inveja é demonizada, como se uma pessoa pudesse roubar tudo de outra pessoa apenas pelo simples desejo. Eu não sei vocês, mas eu já quis ser outra pessoa. Estar na pele de um outro alguém que tem tudo o que eu sempre quis. Penso que em todo momento da minha vida esse alguém existiu e, analisar quem era e como eu imaginava minha vida naquela pele, é um exercício de autoconhecimento que justificava um pouco dessa inveja.
Ser um outro alguém. Não é difícil pensar em algum famoso. Fortunas milionárias, corpos sarados e amantes perfeitos; e em algum momento eu sei que chegou a ser, em fases mais gananciosas de mim mesmo. E fases mais aventurescas, tornou-se personagens admiráveis e hoje em dia me surpreendo ao me imaginar na pele de pessoas comuns. Apenas pessoas como eu, com realizações comuns que a mim parecem tão fantásticas como um mortal triplo carpado dado por um homem em uma corda bamba. Assim imagino-me sendo aceito em um estágio, tirando boas notas na faculdade, conseguindo conciliar estudos e a escrita, conseguindo que a pessoa por quem eu sinto atração correspondesse… E para cada uma dessas coisas eu tenho um nome claro na minha mente, que não direi por motivos de me preservar.
Essa aproximação da minha inveja, por assim dizer, de pessoas reais acaba tomando uma outra dimensão que eu nunca tinha reparado. Os ônus. É como se eu afastasse a lente de um aspecto da vida da pessoa, tirasse o foco de apenas aquilo e — surpresa! — me é revelada apenas uma pessoa normal, lidando com seus problemas e para quem meus problemas podem parecer absolutamente irrelevantes. Percebe? Uma dimensão não descreve um cubo, assim como uma vitória não descreve a vida de uma pessoa como um mar de rosas. De longe, tudo parece pequeno, até a lua.
Comentários
Postar um comentário