Culpa
Poderia muito bem estar em casa naquela noite. O cheiro azedo, inconfundível, de álcool infestava suas roupas e hálito. O porquê dele estar fora era evidente. Agora, graças à sua bebedeira; ali, aos seus pés, jaziam sua esposa e filha. As gargantas impiedosamente cortadas, olhos arregalados em um esgar de horror, e seu sangue, cada vez mais adquirindo uma coloração amarronzada no chão. Seria essa a culpa que ele levaria por toda a vida. Arrastando-a atrás de si como uma bola de ferro acorrentada no tornozelo de um presidiário. A levaria até o seu último gole. Quando entornasse o seu último copo e a cachaça decesse queimando sua goela pela última vez. Ele chegaria em casa com seu coração e fígado em pedaços, ajoelhados frente ao vaso e morreria no chão frio e úmido de urina do banheiro. Isso é o que ele fantasiou. E se esforçou bastante para tal. Viveu até os 80, carregando essa culpa para o túmulo. Em seus últimos minutos, no hospital, viu sua filha e mulher o observando com o mesmo...